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Âncora 1

A corrida pela vida, muitas vezes, começa com a morte. O passar dos dias para alguém que precisa de um transplante é algo regressivo, mas indeterminado. O tempo se torna o seu maior inimigo e a única esperança (re)nasce do “sim” de um desconhecido para a doação de órgãos. Alguém que ele, possivelmente, nunca vai conhecer, mas que a partir de agora vive também dentro dele. Pulsa.

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Nesse contexto, o Especial Pulso propõe uma investigação sobre esses caminhos, contando a história de transplantados, pacientes na fila de espera, famílias doadoras, especialistas da saúde, todos que tiveram suas histórias impactadas a partir do momento que o transplante de órgãos tornou-se realidade.

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Âncora 2

história

Âncora 3

partida

“O Murilo tá vivo por aí, gente!”. Foi essa a frase dita por Edileuda Viana no velório de seu filho. Ela, que se orgulha de sua firmeza durante o luto, conta que mais consolou os amigos e familiares do que foi consolada por eles. O seu refúgio foi sua fé que tornou-se no dia da morte de Murilo um ato concreto de solidariedade: ela optou doar os órgãos do filho. Mais de um ano depois, constata “pra mim, foi muito bom. Você não sabe o quanto foi gratificante.”. 

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Murilo Oliveira tinha só 25 anos de idade quando sofreu um acidente de moto. Ele voltava do interior, onde tinha ido para levar às crianças carentes faixas de balões. Segundo Dona Edileuda, isso já era costume pro filho, “ele gostava muito de fazer isso, sempre que tava em promoção as coisas do mercantil, ele comprava e levava para as crianças carentes.” O acidente aconteceu dia 22 de agosto de 2016, à tarde, nas proximidades de Fortaleza. Murilo, que era pai de um menino de oito anos, teve uma parada cardíaca na hora e, apesar de ser socorrido e reanimado, não teve nenhuma melhora. Ele foi levado ao Instituto José Frota (IJF) e, no dia 24 de agosto, foi constatada a morte encefálica.

 

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murilo sempre quis ser um doador

Lisiane Paiva, enfermeira e coordenadora da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT), explica que, antes, o diagnóstico da morte encefálica só podia ser feita por um neurologista, mas com o decreto aprovado pelo presidente Michel Temer em setembro de 2017, isso mudou. “Com esse decreto, nosso trabalho foi facilitado, porque um clínico que seja capacitado pode abrir e fechar o protocolo. Isso reveste em qualidade nos órgãos, em diminuir a angústia da família, porque embora a gente vá dar uma notícia ruim, a família não passa muito tempo esperando por esse diagnóstico”, afirma.

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A partir da abertura do protocolo, a equipe da CIHDOTT se responsabiliza em dar a notícia para a família. “A gente convida a família pra vir até o hospital, pra que a tome ciência da piora clínica desse paciente e da suspeita da morte encefálica dele. A partir desse momento, a gente acompanha essa família até o momento que se fecha o protocolo”, relata Lisiane. Quando a morte encefálica é confirmada, acontece a entrevista familiar, quando é colocada a possibilidade da doação. Para a coordenadora da comissão, “quando a gente faz o tripé do acolhimento, com a empatia, com o respeito e responsabilidade, nós desenvolvemos um vínculo com aquela família, um vínculo de confiança e a doação de órgão ela é uma consequência de tudo isso.”

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Mas diferente de Dona Edileuda, muitas famílias optam por não doar. Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), no Brasil, a taxa de recusa familiar é de 49%. Perguntada sobre os motivos da negação, Lisiane revela que “muitas famílias ainda dizem não pela incapacidade de lidar com a morte, pois ainda atrelam o coração batendo à falsa esperança de vida.” Portanto, é muito importante deixar claro para seus parentes se você deseja ser um doador. Foi isso que Murilo fez. “Quando ele ia doar sangue, conversava com a gente, dizendo que se acontecesse alguma coisa, podia doar”, relata sua mãe. A coordenadora do CIHDOTT ratifica: “A família sabendo que era uma vontade sua em vida, ela vai dizer sim.”

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A possibilidade de doar os órgãos do filho foi para Dona Edileuda uma forma de amar mesmo na dor. Ela, que demonstra uma grande fé em Deus, afirma “eu penso assim, que aquelas pessoas que estavam esperando pelos órgãos, Deus tinha a mesma importância que tinha pela vida do Murilo. Então, tipo assim, Deus poderia ter feito milagre na vida do Murilo, porque eu creio no milagre de Deus, mas Deus podia fazer milagres nas vidas dessas pessoas, Deus queria dar a vida.” E realmente deu. Murilo pôde doar os rins, as córneas, o fígado e o coração. Sobre esse último órgão, para Dona Edileuda, há um significado mais que especial.

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“Eu tava com muitas saudades, então falei com Deus e com ele e disse ‘menino, pede pra Deus mandar os anjos na terra, porque eu quero conhecer a pessoa que está com seu coração, pra matar minha saudade.’” Dona Edileuda conta que essa foi a oração que fez no dia 22 de abril de 2017. Nessa oração, ela conta que também teve uma inspiração para compor uma música, que falava sobre ela, o Murilo e a pessoa que havia recebido o órgão. A lei brasileira não permite que a família doadora conheça o receptor. Portanto, os hospitais e quaisquer instâncias envolvidas não podem divulgar dados, tanto para a proteção de quem recebe quanto de quem doa. A vontade de Dona Edileuda parecia irrealizável, mas houve quem acreditasse nela.

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No mesmo dia que, segundo ela, recebeu inspiração para compor a música, um outro filho recebeu a ligação de um programa de TV. Nessa ligação, informaram que ela tinha sido escolhida para uma homenagem do dia das mães. “Só disse assim: prepare o coração, porque a gente vai encontrar a pessoa que tá com o coração do filho dela”, relata Dona Edileuda. Essa pessoa é Diógenes Lima, 46, transplantado no dia 24 de agosto de 2016, no mesmo dia da morte de Murilo. O encontro entre ele e Dona Edileuda foi promovido no dia 9 de julho de 2017, pelo programa de TV “João Inácio Show”, da emissora TV Diário. Sobre esse dia, ela recorda: "O primeiro encontro foi assim, eu esperava, fiquei alegre, fiquei feliz, mas eu fiquei mais alegre quando eu senti o coração do Murilo bater no peito do Diogenes. Eu senti mais alegria no dia que senti o coração bater no peito dele do que no dia em que eu vi ele. Eu tava com tanta saudade", declarou.

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O Código Ético Médico impõe que os profissionais da saúde não devem permitir o contato da família doadora com o(s) receptor(es) sob o risco de desenvolvimento de transtornos psicológicos.

É importante frisar que esse encontro aconteceu porque os dois tiveram vontade de se conhecer. A partir disso, Diógenes e Dona Edileuda construíram laços fortes. Ela revela: “amenizou muito minha saudade, muito mesmo, porque foi como um remédio. Eu tava doente de saudade, conheci o rapaz e escutei o coração bater.” Hoje, os dois contam que alimentam uma relação quase de mãe e filho. “Eu tento falar com ela toda semana ou 15 dias. Pelo menos uma vez no mês, eu tenho que vê-la e quando eu a vejo é só gratidão”, conta. 

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Diógenes passou nove anos em tratamento devido à miocardiopatia dilatada. Entretanto,relata que, durante os últimos meses antes do transplante piorou muito. “Tive que me internar e ficar preso a uma medicação durante dois meses, numa medicação, numa bomba de fusão”, afirma. Para ele, o transplante era “tudo ou nada”, sua última esperança, então não esconde o sorriso ao afirmar que “parece que não fiz só um transplante de coração, como os transplantados falam, a gente fez um transplante de cérebro, porque algumas coisas que eu não fazia, faço e faço com coragem e com gosto.”

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Além de receptor, Diógenes ainda teve a oportunidade de doar as válvulas do seu antigo coração. Ele conta que ao ir para a sala de cirurgia, a enfermeira perguntou se ele aceitava doar. “Eu disse ‘se eu tô recebendo um inteiro, por que não salvar outras vidas?’” E foi nesse gesto que Diógenes revela toda a sua admiração por Murilo: “ele fez vida depois da morte, esse é o grande herói”.

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Âncora 4

espera

O percurso da doação de órgãos é envolto de amor, esperança e gratidão. Amor como ocorreu no ato de dona Edileuda, que num momento de profunda dor conseguiu fazer Diógenes e sua família terem motivo de felicidade. Esperança é para lidar com o dilema da espera por um transplante, como é o caso de Leandro Pereira, paraense que entrou recentemente na lista em busca por um novo coração; ou como aconteceu com José Cardoso, piauiense que após nove tentativas frustradas de doação, conseguiu um novo órgão. Já a gratidão foi o sentimento que fez Jônatas, vindo da Bahia, tornar-se o vice-presidente da Associação dos Transplantados Cardíacos do Ceará. Ele veio para cá em 2015 em busca de um novo coração e acabou conquistando dois, após casar-se com uma das enfermeiras que cuidava dele no hospital.

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Até 2015, Leandro tinha uma vida bastante agitada. Por ser farmacêutico, passava o dia trabalhando num hospital da capital paraense, e, por ser músico, costumava viajar à noite para animar festas ao som de brega ou forró. No entanto, seu cotidiano foi modificado depois que começou a sentir dificuldade de respirar e de dormir, que o fizeram procurar um médico e descobrir que havia contraído Tripanossomíase Americana, popularmente conhecida como doença de chagas, que causa insuficiência cardíaca e fez Leandro precisar um coração novo.

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Hoje, ele está na lista de espera e mora na Associação dos Transplantados
Cardíacos do Ceará, em Fortaleza. Ele entrou na lista no último dia 12 de outubro. As despesas relativas ao deslocamento do Pará ao Ceará foram custeadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) através do auxílio para Tratamento Fora de Domicílio (TFD), concedido a pacientes que precisam de tratamentos que não são realizados em seus municípios de origem.

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A saudade, no entanto, não pode ser resolvida apenas com dinheiro. Ela, junto com o medo, são duas das coisas mais difíceis que Leandro enfrenta: a saudade é principalmente da família, que também é afetada pelo cotidiano na fila de espera. No Pará estão seus cinco filhos, sua mãe e sua esposa, que sempre quando é possível vem a Fortaleza. Já sobre o medo, ele diz que é “de tudo, medo do novo, o medo do transplante. Apesar de ter um conhecimento, a gente pensa que tem um conhecimento, mas na verdade acaba sendo frágil, tem medo.”

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“É muito amor, amor da mulher, amor dos filhos, dos amigos, então devido ao
coração não aguentar tanto amor, ele cresceu.” É a maneira brincalhona e ao
mesmo tempo poética como o amante da música tenta tranquilizar a família e
esconder a tristeza. “Muitas vezes, eu procuro ser alegre e repassar para eles que eu estou bem, tirar mais a preocupação deles”, diz. Leandro também já compôs uma música para a esposa, Rosângela, que se emociona ao escutar o marido cantá-la.

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Como compuseram João Bosco e Aldir Blanc, “a esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar”. E Leandro, habituado a shows, já deve saber disso. Ele espera conseguir realizar logo o transplante, rever familiares e voltar à vida normal, agora sem a rotina frenética e sem os churrascos no fim de semana.
 

A opção por vir para Fortaleza foi tomada pela indicação dos médicos que o
atenderam no Pará. Ele chegou a receber convites de amigos de São Paulo e
Goiás. Sobre a escolha pela capital cearense, o paraense diz que ficou “muito feliz. Parece que a gente não está no SUS, parece que a gente está num hospital de primeira. O tratamento é excelente, as consultas são marcadas com antecedência, a gente tem realmente aquela condição de se organizar.”

 

A Associação dos Transplantados Cardíacos do Ceará, onde Leandro mora hoje, entrou em contato com ele enquanto se preparava para mudar de cidade para dar entrada na lista de espera. Ela é uma casa de apoio sem fins lucrativos mantida por doações e que recebe pessoas que vêm de fora de Fortaleza para receber um coração, geralmente no Hospital Doutor Carlos Alberto Studart Gomes, o hospital de Messejana, a poucos metros de distância. Outras ações do grupo incluem reuniões para compartilhamento de experiências e palestras de conscientização sobre a importância da doação de órgãos. O vice-presidente da instituição, Jônatas Cabanelas, também trata sobre ações do grupo para contornar situações problemáticas de estrutura no processo do transplante e pós transplante. “A gente está sempre motivando, está sempre buscando, está sempre defendendo os direitos dos transplantados, porque nós temos muitas dificuldades em relação à falta de
medicamentos. Temos muitos problemas na estrutura interna do hospital, com falta de exames importantes, falta de biópsia por falta de materiais. O hospital é muito competente no âmbito de transplante, tanto que é referência, mas a gente sofre com a falta de recursos e de estrutura.”

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Mesmo com as dificuldades enfrentadas, o Ceará é destaque nacional em
transplante de órgãos e recebe pessoas de várias outras unidades federativas que precisam de um órgão, como é o caso de Leandro; Jônatas, da Bahia; o sr. Francisco Araújo, do Rio Grande do Norte; e o sr. José Cardoso, do Piauí. Aqui, são realizados transplantes de rim, fígado, coração, pâncreas, pulmão, córnea, medula óssea, esclera e valva cardíaca.

 

De primeiro de janeiro a quatro de dezembro de 2017, foram realizados 1.041
transplantes no estado, que em 2016 zerou a fila do transplante de córnea, segundo o Ministério da Saúde. A situação, segundo a Secretaria da Saúde do Estado, indica que um paciente que precisar de um transplante não espera pelo tecido, porque ele já está disponível para cirurgia.

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No meio do caminho, no entanto, há a angústia. Principalmente se o caminho até realizar o transplante for longo, como ocorre com sr. Francisco Araújo, que há oito anos espera por um fígado saudável. Em 2008, ele começou a sentir alguns sintomas, como mal-estar e aumento do volume da barriga, que levaram ao diagnóstico de cirrose hepática, causada pela ingestão excessiva de álcool.

 

Desde então, ele faz periodicamente o deslocamento de Currais Novos, na região central do Rio Grande do Norte, até Fortaleza com a esposa, dona Iris Araújo. Eles são casados há 21 anos têm três filhos: Ralyson (14), Raniele (16) e Renato (18).

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Inclusive, uma das poucas notícias boas do dia em que foram entrevistados, numa terça-feira em meados de novembro, foi a de que o casal poderia comemorar o aniversário de Renato, em primeiro de dezembro, em casa. Depois de três meses na capital cearense na iminência de realizar o transplante, sua pontuação na lista de espera havia caído e não havia previsão para a realização do procedimento. Sr. Francisco chegou a ficar entre os quatro primeiros da lista.

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Em Fortaleza, sr. Francisco e dona Iris ficam hospedados no Centro de Retiro e Acolhimento Irmãs Josefinas, um dos locais onde recebem apoio para continuar firmes durante a espera. “O ambiente é maravilhoso. Elas (as irmãs) nos dão força constantemente. Se não fosse a ajuda dada pelos nosso amigos, que ligam mandam mensagens pelo Whatsapp, e elas, pessoalmente, nos dando força e coragem, a gente já teria ido embora”, lembra.
 

O casal também recebeu apoio da Associação dos Transplantados Hepáticos do Ceará, a qual não possui fins lucrativos e é mantida através de doações periódicas. Quando chegaram em Fortaleza, o coordenador da instituição, Wilter Ibiapina, orientou sobre os lugares com o melhor custo-benefício para se hospedarem e também sobre procedimentos para tentar garantir o direito à aposentadoria no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Hoje, o sustento da família vem da aposentadoria de dona Iris, que trabalhava como professora, e do auxílio doença recebido por sr. Francisco, que ainda aposentou-se.

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A espera não afeta diretamente apenas quem precisa de um transplante, mas
também suas famílias. De fé católica, dona Iris confessa sentir culpa por não
conseguir estar mais presente na vida dos filhos, por acompanhar o marido. Nas conversas que tem constantemente com padres, ela recebe conforto: “Com relação a eu deixar os meus filhos, eles (os padres) dizem que se Deus proporcionou uma pessoa pra ficar com ele, eu tenho que seguir, que não me sinta culpada”, relata.

 

Apesar das dificuldades e dos oito anos na lista de espera, eles projetam ações para depois do transplante. Questionada sobre o significado da doação, dona Iris é categórica: “você saber que vai ter dias menos estressantes, menos angustiantes.” Já sr. Francisco quer voltar a ser caminhoneiro, profissão que lhe proporcionou conhecer boa parte do país e a qual exerceu durante 34 anos.
 

A situação de sr. Francisco é bastante distinta da situação de José Cardoso, que em agosto de 2016 chegou em Fortaleza para realizar um transplante de coração, feito no último dia 20 de janeiro, o primeiro transplante cardíaco do Hospital de Messejana em 2017. No entanto, nos cinco meses de espera, o procedimento cirúrgico só foi realizado após nove tentativas frustradas: sete por inadequação do órgão e duas por negação da família.

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a fila de espera também possui seus protocolos 

Âncora 5

Cardoso, que trabalhava como motorista, descobriu que precisaria realizar um
transplante em 2015. Os primeiros sintomas que o fizeram procurar o médico foram cansaço e dores no peito.

 

Desde que chegou na capital cearense, com auxílio do TFD, ele mora na
Associação dos Transplantados Cardíacos do Ceará. Agora, ele aguarda concluir o processo de reabilitação para retornar ao Piauí e rever a família, que é bem grande: inclui a esposa, os três filhos, os dez netos e os três bisnetos.


O que José Cardoso espera daqui para frente é o mesmo que várias pessoas que estão na fila, como a família de sr. Francisco, ou em processo de reabilitação: voltar a ter uma vida comum, perto da família.

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 chegada

Formado em contabilidade, Jônatas Cabanelas, de 36 anos, já estava sentenciado pela miocardiopatia hipertrófica congênita, doença que faz o coração crescer causando endurecimentos na válvulas, impedindo o órgão de bombear o sangue por todo o corpo. 

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Nascido em Salvador, Bahia, aos 16 anos, Jônatas já apresentava alguns sintomas e precisou fazer sua primeira intervenção cardíaca, a implantação de um marco-passo. Mas o começo dessa história vem de mais longe, do seu avô, vitimado pela mesma doença que afligiu toda a família Cabanelas.

 

O irmão de Jônatas, o mais velho dos homens, foi a segunda perda da família. Aos 21 anos de idade, dentro de um avião a caminho da Espanha, ele sofreu uma arritmia cardíaca, sofrendo uma morte súbita em 1997. 

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Passados dois anos, a família viveria um novo trauma: a perda do patriarca. Aos 45 anos, após um infarto, o coração do pai de Jônatas não resistiu. Apenas 28 dias depois, outro baque, a perda de outro irmão seu.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Em 2010 os sintomas apareceram na irmã mais velha de Jônatas. Um AVC alertou para a necessidade de um transplante. Encaminhada para São Paulo, a baiana ficou um ano na fila aguardando um doador, mas ele não apareceu a tempo e ela foi a óbito aos 37 anos, em março de 2011.

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Agora, Jônatas era tudo o que sua mãe tinha. A única família dela. “Eu sou tudo que ela tem”, dizia o baiano, que naquela altura começou a sentir sintomas mais sérios, como cansaço e fadiga.

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O médico foi taxativo: “Jônatas, a solução é fazer um transplante”. A escolha por Fortaleza, além de ser referência em transplante cardíaco, foi para se manter mais perto de suas raízes nordestinas.

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Começando o processo para entrar na fila de espera, com bateria de exames e exercícios para ganhar condicionamento físico, Jônatas acreditava que o transplante ainda podia ser revertido: “Eu estava fazendo aquilo, mas eu não queria, tinha medo”.

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os dilemas do transplante são construídos no medo

Foram seis tentativas para na sétima, enfim, dar certo. Por seis vezes Jônatas teve que ouvir: “Dieta geral. Jejum. Apareceu um doador. Você aceita o órgão? Vamos levá-lo para os exames. O órgão não estava bom. A família não autorizou”. Tudo isso dentro de um mês, entre fevereiro e março de 2015.

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Dentre as tentativas não concretizadas de receber um novo coração, dois foram descartados por não estarem em bom funcionamento e nas outras quatro tentativas a família disse “não” à doação.

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Saber que o órgão não estava bom era aceitável para o baiano, mas saber que a família havia dito não era uma notícia difícil de receber. “Naquele momento que a família disse não, que eu tive a informação de que a família não autorizou a doação, foi um baque tremendo. Você pensa, poxa não vai dar certo meu coração? Quando será que vai aparecer outro? E se a família também disser não? Então você termina desacreditando, começa a perder as esperanças”, relembra.

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Até que no dia 19 de março de 2015 as esperanças de Jônatas foram renovadas e o “sim” de uma família deram uma nova chance ao paciente. Ele entrou no centro cirúrgico por volta das sete da noite e, enfim, saiu às três horas da manhã, já com um novo coração.

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Mas as lutas não terminariam por aí. Saído cabisbaixo da sala da cirurgia, o médico anunciava que o “transplante não tinha dado certo, não tinha sido o que eles esperavam”.

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Naquele momento, quando fizeram o transplante, o novo coração não funcionou, não bateu, e assim, Jônatas teve que ficar em uma máquina que mantinha o sangue bombeando, o ECMO - aparelho de Oxigenação por Membrana Extracorpórea.

 

No dia seguinte, houve um sangramento no órgão, e o paciente teve que voltar para o centro cirúrgico. Após perder quatro litros e meio de sangue, a equipe médica conseguiu conter a hemorragia e o “coraçãozinho começou a pulsar”.

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A estimativa de vida de um transplantado é de 10 a 15 anos, ou até “quando Deus permitir”, como ressalta Jônatas. Após esse período, um novo transplante tem que ser feito. No Ceará, essa etapa ainda não é realizada com eficiência.

 

Dos três retransplantados do Estado, apenas um permanece vivo, Antônio Moura, mas seu retransplante aconteceu após cinco anos do primeiro transplante. Os outros dois foram Fagner, de 38 anos, e dona Inês, de 60 anos. Ambos tinham 15 anos de transplante e faleceram.

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No entanto, até chegar nessa sobrevida, o paciente tem que tomar remédios para o resto da vida, os imunossupressores, para evitar a rejeição.

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São 862. Esse é o número de pacientes pediátricos na fila de espera por um órgão em todo o Brasil entre o período de janeiro a setembro de 2017, segundo dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO). Destes, 46 estão no aguardo por um coração. No Ceará, no mesmo período, das 10 crianças que estão na fila, 6, esperam por um transplante cardíaco.

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Quem estava nesta lista era Kemely, que com seis dias de nascida foi parar na UTI, vítima de duas paradas cardíacas. A criança sofria da Síndrome de Hipoplasia do Coração Esquerdo (SHCE), ou Hipoplasia de Ventrículo Esquerdo, que é quando o lado esquerdo do coração não se desenvolveu.

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O projeto inicial era realizar três cirurgias para adiar o transplante da pequena para daqui há dez anos, porém, isso não aconteceu. A primeira cirurgia foi realizada com 40 dias de nascida e a segunda veio ao completar 6 meses de vida, o projeto não deu certo e o transplante tinha que ser realizado o mais depressa possível. A notícia veio em 2016.

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os riscos são deixados de lado quando falamos de viver

Kemely passou um ano e um mês na fila de espera. “Eu tava com medo, tentei me controlar nesse um ano e um mês, mas no último mês eu me desesperei. Eu tinha medo de dormir e acordar sem ela”, assim Caroline Pereira definiu esse momento que viveu com a filha.

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Durante o período em que viveu a espera, Caroline criou uma página no Facebook, “Um coração para Kemely”, através do incentivo de uma outra mãe, que perdeu sua filha em decorrência de uma cardiopatia.

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A página tinha como objetivo principal divulgar a importância da doação de órgãos e acompanhar a rotina de uma criança que precisa de um transplante e agora, no pós-transplante.

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O dia do transplante foi emocionante para a mãe de Kemely. Além de suas esperanças terem sido renovadas, Caroline descobriu a família da criança que havia doado o órgão. Esse turbilhão de emoções aconteceu no dia 5 de maio de 2017. E foi através de uma outra página, “O Força Raiane”, que as duas famílias se encontraram. “E hoje, assim, somos uma família de coração. A Kemely ganhou uma mãe, um pai, um avô, umas tias, que é a família da Raiane”, declarou.

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Com avanço da tecnologia espera-se que os transplantes também acompanhem essa nova era que irá surgir. Seja através do uso de máquinas, para auxiliar ou substituir os transplantes,  xenotransplantes,transplantes entre espécies diferentes ou até mesmo a criação de órgãos artificiais.

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